Espaço do arquiteto com Cal30 Arquitectos
Cal30 é um atelier de arquitectura fundado em 2002 por Catarina Rebelo de Sousa (Coimbra, 1975) e Gilberto Veiga de Oliveira (Lisboa, 1972).
O atelier opera em todos os territórios espaciais, tendo em conta o contexto e as restrições em presença e adaptando a prática profissional à escala de cada projecto, perseguindo a conciliação da liberdade criativa com o rigor e a clareza que o projecto de arquitectura exige.
Acumulando experiência em diferentes programas, da habitação e equipamento ao espaço público, seja em obras novas ou em intervenção sobre o património existente, o seu currículo reúne um amplo conjunto de projectos de natureza pública e privada estando a maior parte construídos e a funcionar.
Encara a sustentabilidade como uma prática milenar que se deve ajustar ao exercício corrente, na procura de uma arquitectura caracterizada pela utilização responsável dos recursos e pela resistência ao tempo em termos materiais, funcionais, estéticos e emocionais.
Paralelamente, vai também percorrendo caminho pela investigação urbana e pelo desenvolvimento de actividades pedagógicas, abrindo o território de reflexão a uma dimensão complementar ao projecto.
O projeto
O lugar para a construção da Unidade de Saúde do Beato era o talude do complexo dos arenitos rijos dos Grilos, na sua bonita cor torrada, que havia sobrevivido ao terrapleno para a construção do bairro da Madredeus, durante os quase 80 anos que, entretanto, decorreram.
A substituição dessa memória geológica, que permaneceu à vista dos vizinhos e passantes, pelo extenso programa do equipamento público, impôs a necessidade de diluir a volumetria na topografia, semienterrando o piso inferior, e, desde o início, de recorrer ao tijolo maciço Vale da Gândara Cinza Minho, na sua cor terrosa, para a perpetuação do carácter telúrico daquela frente de rua.
Acolhendo a horizontalidade dos arenitos e suas diferentes camadas, que se elevavam como uma construção feita pelo pragmatismo, desenhou-se o edifício público, em volume uno, sólido e agarrado às cotas.
Procurando igualmente não perturbar a luminosidade das ruas nem o sistema de vistas do bairro que sobe a encosta em anfiteatro, convocou-se a dispositivo pragmático das azinhagas que caracterizam este território para a organização funcional do edifício. A frente de rua como um muro com um só acesso, o átrio que acolhe pela sombra e que se abre à luz para o vetusto palácio do Ateneu da Madre Deus, o pátio para actividades da comunidade ocultado por altos muros e o espaço exterior de serviço interno como caminho com pausas.
A utilização do tijolo face à vista, com a sua textura agradável, pontuado com lioz cinzento, procura humanizar não só as superfícies de rua, mas também as superfícies interiores de uso colectivo ou as áreas técnicas da cobertura.
Este dispositivo construtivo foi somente substituído pelo betão descofrado no extenso muro nascente que remata o lote contra o talude então escavado. Ali, esse elemento de grande dureza, estabeleceu a nova azinhaga que procura garantir a permanência da zona não edificável do aqueduto do Alviela como invulgar miradouro silvestre, pejado de hortas informais.
Quais são as maiores vantagens da utilização do Tijolo Face à Vista no revestimento total do edifício? Quais as suas vantagens construtivas?
Tendo-se acolhido a necessidade de utilizar TFV na edificação da Unidade de Saúde do Beato, procurámos explorar as qualidades singulares deste material num desenho rigoroso, tanto dos espaços como dos seus pormenores. Para além das virtudes poéticas e da modelação que organiza o desenho, sobressaem as qualidades únicas de durabilidade material e resiliência funcional.
A utilização do TFV teve influência na otimização em termos de eficiência energética e da utilização sustentável de recursos naturais?
Depois da implantação e exposição aos elementos, a inércia térmica dos edifícios é um dos melhores instrumentos para a construção de soluções de grande eficiência energética e conforto térmico. O tijolo face à vista, que neste edifício é a face exterior da parede dupla ventilada de 50cm de espessura, contribui decisivamente para o elevado desempenho higrotérmico do conjunto construído.
Como classifica a utilização do tijolo face à vista na arquitetura nacional? Acha que está devidamente representada?
Para além dos tecidos urbanos mais industriais, onde encontramos muitos edifícios com este material, desde o Modernismo que o tijolo face à vista tem vindo a encontrar o seu lugar na arquitectura nacional. Hoje são inúmeros os edifícios de elevada qualidade desenhados com tijolo face à vista aos quais sempre voltamos.
Sendo um espaço que se quer funcional, seguro e acolhedor para os utentes, exigiu uma especial atenção no projeto de arquitetura? Como é que o nosso tijolo face à vista ajudou?
Um edifício público deve ser sempre ser capaz de acolher as pessoas de forma generosa, tornando evidente que ali todos pertencem. Nesta Unidade de Saúde, o tijolo face à vista foi o dispositivo para agarrar a memória do local, introduzindo na rua as qualidades do gentil trabalho dos pedreiros que tanto apreciamos, o qual se prolonga para o interior, nos espaços não estritamente médicos, introduzindo conforto visual, acústico e térmico.
Sendo um material de base natural, exige-se uma fase de desenho em obra para apuramento da modulação e do apainelamento em função da dimensão real das peças entregues em estaleiro. A regularidade e qualidade do tijolo face à vista da Vale da Gândara foi crucial para o sucesso de um trabalho que se constrói peça a peça. A beleza das paredes em tijolo face à vista resulta também da evidência deste delicado sistema construtivo.