Categoria

Arquitectura, Projecto

Material

Tira Romana Bege Mourisca

Ano

***

Arquitecto

Arq. João Cassiano Santos

Projecto

Museu da Ruralidade

Fotografia

Miguel Coelho

Espaço do arquiteto com Arq. João Cassiano Santos

Nesta edição do Espaço do arquiteto, falámos com o Arq. João Cassiano Santos, acerca do Museu da Ruralidade, pavimentado com Tira Romana da Cerâmica Vale da Gândara.

Apresentação do Arq. João Cassiano Santos

Nasceu em Faro, em 1964. Entreu em 1981 para a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, e em 1986 saiu licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Entre 1986 e 1994 foi um arquiteto nómada trabalhando em vários gabinetes e instituições, que destaca pela importância na sua formação o LNEC e o SFOE; e os arquitetos Eduardo Trigo de Souza (ETS) e Nuno Vieira da Fonseca (Intergaup). Em 1994 fundiu, na cidade de Lisboa, o atelier ARTEeTECTóNiCA, onde nos últimos 20 anos tem trabalhado. O ARTEeTECTóNiCA, Lda tem como objectivo trabalhar o futuro através da arquitectura, tendo como estratégia hierarquizar a espacialidade sobre as outras variáveis, e como táctica “não ter um estilo ou tendência” para dar a cada caso a liberdade de opção. http://www.artetectonica.com/

O Museu da Ruralidade nas palavras do arquiteto João Cassiano Santos

É na sequência desta procura de uma “arquitectura identitária” que surgiu o convite para fazer o Museu da Ruralidade na Vila de Entradas, planície de Castro Verde, Alentejo. Como equipamento cultural resulta da ampliação de uma casa agrícola (Casa da Leda), que estava situada no antigo perímetro da vila, entre a “urbe e a planície”. Propõe-se que através da vivência deste espaço museológico se transmita às futuras gerações as tradições orais, os dialectos e expressões, os ofícios e os saberes intrínsecos ao estar no campo, património imaterial do Alentejo, em vias de extinção. A antiga casa agrícola formava um “U”, com as alas abertas ao “campo” de onde vinham e para onde iam as alfaias e as gentes. A nova proposta, baseia-se na vivência do Museu e para além da inevitável internet e loja de artesanato e publicações, oferece em horário alargado uma taberna com vinho a copo e cantares em colectivo, potenciando a aprendizagem convivial, na conjugação do verbo “ser” e “estar” na visita das novas salas de exposição. Em termos formais, a adição construída completa a forma, prolongando a preexistência e encerrando o pátio, vazio de sombra e água no meio do volume compacto, massivo e branco. Rasgado no cunhal do novo polígono branco, está o portão das carroças e debulhadoras, veículos grandes que dão ao pátio o carácter de rua interior, em torno da qual se desenvolve o circuito exposição loja> exp. temporária>exp. permanente>s.projecções>biblioteca>taberna

O museu da ruralidade situa-se na aldeia de Entradas em Castro Verde no Baixo Alentejo, como se enquadra o projeto arquitetónico com a envolvente essencialmente agrícola?

O Alentejo tem isso de bom, o campo é o campo e a povoação é a povoação, ao contrário da maioria das outras regiões do país, aqui há organização do território, e a paisagem é normalmente saudável e colectivamente organizada. Portanto, não me faz sentido falar “no enquadramento com a envolvente essencialmente agrícola?”, porque a envolvente é a Vila de Entradas, lindíssima, horizontal e com uma rua/praça pública notável, recomendo vivamente que vá conhecer e almoçar por lá.

Quais foram os grandes desafios ao conceber o projecto?

O primeiro desafio é o de sempre, fazer algo de significante com um orçamento muito raso, e repare era raso para aquela época (2009), hoje provavelmente não se teria feito. O segundo desafio foi o de fazer um edifício que a população local aderisse e usasse, apesar de se chamar “museu”. Aqui o Programa do Município deu uma ajuda, ao impor em vez da cafetaria-tipo, uma taberna com entrada independente e horário alargado.

Por que razão optou pela Tira Romana?

Pela mesma razão que a Cerâmica Vale da Gândara lhe chama Romana ….. por uma razão de continuidade, continuidade a dois níveis de leitura: – a continuidade no tempo, dos edifícios romanos para os árabes, das construções árabes para as medievas, das medievos para as modernos, e de nós [seja lá o que formos] para o futuro, há recorrentemente uma austeridade lisa e branca na vertical e uma textura de cor na horizontal. Neste caso de museu no Alentejo que procura a transmissão às futuras gerações, trazendo na mesma materialidade tectónica, todo um passado até ao presente. – a continuidade planar do mesmo revestimento/textura/cor, unindo espaços tão díspares como Oficina de Ferreiro ou o Pátio/Rua Interior. A Tira Romana, permite no assentamento em espinha a continuidade sem aresta entre planos de rampa e planos de nível, fazendo no mesmo material as soleiras dos vãos. Esta opção minimal/funcional resiste (impacto/desgaste) mesmo às rodas pesadas das debulhadoras e não tem manutenção.

Em que medida a colocação de pavimento em tira romana no interior e exterior do museu nos transporta para o universo rural?

Em nenhuma, o acto de musealizar não é um acto rural, o que se afirma é que musealizar da ruralidade é tão necessário como musealizar a arte contemporânea; o objectivo é que as pessoas (do campo ou da cidade) se sintam bem e perceba o valor das vivências do campo. Não se pretendeu uma simulação da ruralidade; para que melhor se entenda, lembro-me da cena do filme Lawrence da Arábia, em que se pergunta ao Rei Faiçal, se ele gosta de viver no deserto? Ele responde que viver no deserto é uma necessidade, mas do que ele gosta é dos jardins de Córdova e de Damasco.

Dadas as características funcionais e estéticas do pavimento cerâmico considera a sua utilização uma mais-valia para a obra?

Da Tira Romana em particular sim, pelas razões expostas supra, ou seja em termos plásticos dá-me continuidade textura cor e em termos funcionais garante sem desgaste, nem manutenção capacidade de carga. Há ainda algo que não referi e que de uma forma lata se relaciona com a questão seguinte, é que o Baixo Alentejo e o Algarve são tradicionalmente terras da cerâmica, quer na olaria, quer nos revestimentos, contextualizar no Sul de Portugal, passa também pelo uso de materiais cerâmicos, sobretudo nos pavimentos.

Teve em conta os problemas ambientais e de sustentabilidade na concepção deste projecto?

Obviamente, que essas são duas das variáveis a ter em conta na concepção do projecto, que se materializam de forma passiva, mas eficaz: – na recolha da água das chuvas para as talhas do pátio e seu reencaminhamento para rega; – nas opções de revestimentos (tecto de caniço da adega, por exemplo) atendendo à pegada ecológica de produção e do transporte dos escolhidos; – na opção de construir paredes “teimosos”, que com inércia térmica forte e pés-direitos altos resistem confortavelmente ao calor sem consumo de energia em climatização; – no dimensionamento estreito dos vãos expostos e no ensombramento dos grandes planos de vidro;

Como vê a Arquitectura Portuguesa no mundo? Acha que está devidamente representada?

Penso que na arquitectura como no futebol temos talentos de topo, mas que isso não se traduz na organização do espaço português, ou seja: – A arquitectura portuguesa está mais bem representada no mundo do que em Portugal. Pois considero subdesenvolvido e desequilibrado ter uma arquitectura mundialmente reconhecida (2 prémios Pritkler recentes) e ao mesmo tempo ter a maioria da população portuguesa a viver nas periferias de Lisboa e do Porto, sem urbanismo nem arquitectura, falo de lugares como [Monte do Cotão, Vale Milhaços, Rio Tinto, Massamá; S. Marcos, Vialonga] entre tantos outros, sítios alheios aos arquitetos e em que vive muita gente… o que não pode ser, não é?